Portugueses vão pagar
mais 2066 milhões de euros

Um enorme aumento<br>de impostos em 2015

Eugénio Rosa

Está neste mo­mento em curso uma gi­gan­tesca ope­ração de ma­ni­pu­lação e men­tira le­vada a cabo pelo Go­verno com o ob­je­tivo de con­vencer a opi­nião pú­blica de que se ve­ri­fi­cará em 2015 uma re­dução da carga fiscal. In­fe­liz­mente vá­rios ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial e mesmo jor­na­listas têm co­la­bo­rado nessa cam­panha de en­gano dos por­tu­gueses. O que vai acon­tecer em 2015 é outro enorme au­mento de im­postos sobre os tra­ba­lha­dores, pen­si­o­nistas e ou­tras classes que não au­ferem ren­di­mentos de ca­pital, e uma re­dução muito im­por­tante dos im­postos sobre as em­presas que be­ne­fi­ciará fun­da­men­tal­mente as grandes em­presas, com lu­cros ele­vados, que verão os seus lu­cros au­mentar ainda mais, porque pa­garão muito menos im­postos ao Es­tado, po­dendo-se dizer mesmo que esta quebra é fi­nan­ciada pelas fa­mí­lias por­tu­guesas.

Os lu­cros lí­quidos da EDP só no 1.º se­mestre de 2014 foram de 502 mi­lhões de euros. Com uma taxa de IRC de 25% pa­garia 125,5 mi­lhões de euros; com uma taxa de 21% já paga apenas 105,4 mi­lhões de euros, ou seja, menos 20,1 mi­lhões de euros.

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Em 2015, a acres­centar ao «enorme au­mento de im­postos» de Vítor Gaspar, os por­tu­gueses terão de su­portar outro au­mento enorme de im­postos es­ti­mado em 2066 mi­lhões de euros que o Go­verno tem pro­cu­rado es­conder, e que os media afetos ao Go­verno têm ocul­tado aos por­tu­gueses, como re­velam os dados ofi­ciais cons­tantes do Quadro 1.

Se­gundo os dados cons­tantes dos re­la­tó­rios do Go­verno que acom­pa­nham o Or­ça­mento do Es­tado, entre 2012 e 2014, as re­ceitas que têm como origem os im­postos que os por­tu­gueses são obri­gados a pagar (não in­clui ainda o au­mento do IMI, nem a cha­mada fis­ca­li­dade verde) au­men­taram em 4492 mi­lhões de euros, pois pas­saram de 32 627 mi­lhões de euros para 37 119 mi­lhões de euros. Se se in­cluir o au­mento ve­ri­fi­cado no IMI, neste mesmo pe­ríodo, a su­bida de im­postos atinge 4751 mi­lhões de euros. Cerca de 80,8% – 3628 mi­lhões de euros – do au­mento de 4492 mi­lhões de euros ve­ri­fi­cado no pe­ríodo 2012-2014 teve como origem o IRS, em que os ren­di­mentos de­cla­rados pelos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas re­pre­sentam cerca de 90% de todos os ren­di­mentos de­cla­rados para efeitos de IRS. O IRC pago pelas em­presas apenas con­tri­buiu com 2,8% para o au­mento das re­ceitas fis­cais ve­ri­fi­cado entre 2012 e 2014. Se ana­li­sarmos o au­mento de im­postos ve­ri­fi­cado em cada ano, con­cluímos que, de acordo com os dados ofi­ciais cons­tantes do Quadro 1, as re­ceitas fis­cais, entre 2012 e 2013, au­men­taram 2350 mi­lhões de euros; entre 2013 e 2014, su­biram 2392 mi­lhões de euros e que, entre 2014 e 2015, o Go­verno pre­tende que aos au­mentos an­te­ri­ores seja acres­cen­tados mais 2060 mi­lhões de euros de re­ceitas de im­postos. Afirmar neste con­texto, como faz o Go­verno e a co­mu­ni­cação so­cial que lhe é afeta, que as fa­mí­lias terão em 2015 uma re­dução da carga fiscal é mentir des­ca­ra­da­mente, é pro­curar en­ganar os por­tu­gueses. E, in­fe­liz­mente, todos os meios são uti­li­zados.


A «bolsa de des­pesa fa­mi­liar»

Em­bora ainda não se co­nheça o texto in­te­gral da pro­posta de lei do Go­verno sobre o IRS, pelo que é im­pos­sível ter cer­tezas, pois o que é dado num ar­tigo po­derá ser re­du­zido em outro, mesmo assim in­te­ressa ana­lisar o caso da «bolsa de des­pesa fa­mi­liar» pois ela é mais um exemplo con­creto de um pro­cesso de ma­ni­pu­lação e de en­gano que não olha a meios para atingir os seus fins.

De acordo com de­cla­ra­ções do Se­cre­tário de Es­tado de As­suntos Fis­cais a «bolsa de des­pesa fa­mi­liar» per­mi­tirá às fa­mí­lias de­duzir no IRS no má­ximo 600 euros por ano. Esses 600 euros subs­ti­tuem as atuais de­du­ções no IRS (ver art.º 79, 83 e 85 do Có­digo do IRS) por su­jeito pas­sivo, que são 427,5 euros (casal); por cré­dito à ha­bi­tação ou renda de ha­bi­tação que são 296 euros; e por edu­cação que são 30% da des­pesa no má­ximo 160% do IAS que pode va­riar para uma fa­mília com um filho entre 330 euros e 670 euros (su­pondo uma des­pesa de 1100 euros, que cor­res­ponde à pro­pina de um es­tu­dante na Uni­ver­si­dade, obtém-se 330 euros, mas pode ir até 670 euros que cor­res­ponde a uma des­pesa na edu­cação por ano de 2233de euros). So­mando todas estas de­du­ções atuais obtém-se um valor que varia entre 1053 euros e 1394 euros. É este valor, que é de­du­zido atu­al­mente no IRS por uma fa­mília média com um filho, que o Go­verno pre­tende subs­ti­tuir por uma de­dução igual para todos os con­tri­buintes que po­derá atingir no má­ximo 600 euros por ano. E é isto que o Go­verno e a co­mu­ni­cação so­cial que lhe afeta diz que será um grande be­ne­fício para as fa­mí­lias.

A téc­nica atual de ma­ni­pu­lação e de en­gano da opi­nião pú­blica le­vada a cabo pelo Go­verno e pelos media afetos é a de iso­larem o be­ne­fício que o Go­verno de­fende e de ig­norar aquilo que está atu­al­mente em vigor, e de cons­truir exem­plos ima­gi­nados que têm en­chido os jor­nais e as te­le­vi­sões, para chegar às con­clu­sões pre­vi­a­mente fi­xadas pelo Go­verno.

O «bluff» da re­dução da taxa 3,5% de IRS

O «bluff» da re­dução da taxa ex­tra­or­di­nária de IRS de 3,5% que in­cide sobre todos os ren­di­mentos su­pe­ri­ores a um sa­lário mí­nimo na­ci­onal é um outro exemplo de ma­ni­pu­lação e en­gano. O Go­verno e toda a co­mu­ni­cação so­cial afeta le­varam a cabo uma gi­gan­tesca ope­ração de de­sin­for­mação em que pro­cu­raram con­vencer a opi­nião pú­blica de que esta taxa iria ser re­du­zida de 3,5% para 2,5%. E de­pois surge um Or­ça­mento que não in­clui a re­dução, mas pro­curam con­vencer os por­tu­gueses que a re­dução pode ser até maior, de­pen­dendo isso do com­por­ta­mento dos pró­prios por­tu­gueses, pre­ten­dendo trans­formar estes em fis­cais das Fi­nanças. E se a so­bre­taxa não baixar irão de­pois dizer que a culpa é dos por­tu­gueses que não co­la­bo­raram. Mas des­mon­temos mais este grande em­buste da pro­pa­ganda ofi­cial.

Se­gundo o n.º 2 do art.º 177 da Pro­posta de Lei do OE-2015, os con­tri­buintes têm di­reito a um cré­dito fiscal (ou seja, só terão di­reito a uma de­dução na so­bre­taxa de IRS) cor­res­pon­dente à per­cen­tagem, quando po­si­tiva, da co­leta da so­bre­taxa, de­ter­mi­nada de acordo com a se­guinte fór­mula:

(RFT - RFTP) ÷ RFS × 100

em que, (i) RFT – cor­res­ponde à soma das re­ceitas do IRS e do IVA de 2015 cons­tantes da sín­tese de exe­cução or­ça­mental de Ja­neiro de 2016, por­tanto só em 2016 é que se po­derá ava­liar; (ii) RFTP – cor­res­ponde à soma das re­ceitas do IRS e do IVA pre­vistas no OE-2015; ( iii) RFS – é o valor da re­tenção na fonte em sede de so­bre­taxa ar­re­ca­dada de Ja­neiro a De­zembro de 2015, en­tregue nos co­fres do Es­tado até ao fim de Ja­neiro de 2016.

Por­tanto, o cré­dito fiscal aos con­tri­buintes, ou seja, a par­cela da so­bre­taxa que o Go­verno diz que po­derá ser de­vol­vida aos con­tri­buintes em 2016, será ob­tido cal­cu­lando a di­fe­rença entre a soma da re­ceita de IRS e IVA que consta da Sín­tese da Exe­cução Or­ça­mental de Ja­neiro de 2016 e a soma da re­ceita de IRS e IVA que consta do OE-2015, e de­pois este valor é di­vi­dido pelo valor da so­bre­taxa re­tida na fonte pelas em­presas e outra en­ti­dades e en­tregue nos co­fres do Es­tado (por­tanto, não in­clui as im­por­tân­cias da so­bre­taxa não en­tregue ao Es­tado pelas em­presas até 31.1.2016) e de­pois o valor ob­tido é mul­ti­pli­cado por 100.

Não há dú­vida de que é uma fór­mula com um re­sul­tado muito ale­a­tório em que é pre­vi­sível que no fim os con­tri­buintes re­cebam ZERO de de­vo­lução.

Em pri­meiro lugar, para que re­ce­bessem seria ne­ces­sário que o Es­tado ar­re­ca­dasse muito mais re­ceita de IRS e de IVA da que consta do OE-2015 (7%). Ob­ser­vando o Quadro 1, onde estão as pre­vi­sões de re­ceitas fis­cais para 2015, con­clui-se que o Go­verno pre­tende ar­re­cadar de IRS e IVA em 2015 cerca de 27 659 mi­lhões de euros, ou seja, mais 947 mi­lhões de euros do que em 2014, que foi de 26 712 mi­lhões de euros.

So­mando o au­mento ve­ri­fi­cado em 2014 (+ 1764 mi­lhões de euros de IRS e IVA) ao au­mento de 2015 (947 mi­lhões de euros), obtém-se 2710 mi­lhões de euros de su­bida em apenas dois anos. Pensar que se pode con­fiscar a uma eco­nomia que está ané­mica e aos por­tu­gueses, cuja mai­oria vive já ex­tremas di­fi­cul­dades, ainda mais de im­postos é cer­ta­mente tomar os de­sejos pela re­a­li­dade, é pro­curar en­ganar a opi­nião pú­blica. Em se­gundo lugar, porque o au­mento de re­ceita num im­posto pode ser anu­lado pela re­dução de re­ceita em outro. Mesmo a luta contra a fraude e evasão fiscal, que é ne­ces­sária e es­sen­cial, com este Go­verno tem-se vi­rado fun­da­men­tal­mente contra cen­tenas de mi­lhares de pe­quenos con­tri­buintes que têm visto os seus sa­lá­rios, as suas pen­sões e as suas casas pe­nho­radas, mas pouco tem sido feito contra os grandes de­ve­dores ao fisco, os quais re­pre­sentam a es­ma­ga­dora mai­oria da dí­vida e da evasão e fraude fiscal no País. Para além de tudo isto, se­gundo a Cons­ti­tuição, a vi­gência do OE2015 ter­mina em 31.12.2015 e não pode haver re­ceitas con­sig­nadas.

Em­presas pagam menos 892 mi­lhões de euros
com re­dução do IRC

To­mando como base a pre­visão de re­ceitas de IRC do Go­verno para 2015, uma re­dução de um ponto per­cen­tual na taxa de IRC de­ter­mina uma perda de re­ceita fiscal de 223 mi­lhões de euros/​ano. A re­dução de quatro pontos per­cen­tuais (entre 2013 e 2015, a taxa ade IRC di­minui de 25% para 21%) re­pre­senta uma perda de re­ceita fiscal para o Es­tado de 892 mi­lhões de euros/​ano. A so­bre­taxa ex­tra­or­di­nária de IRS re­pre­senta um corte nos ren­di­mentos das fa­mí­lias por­tu­guesas es­ti­mado em 700 mi­lhões de euros por ano. Por­tanto, entre re­duzir a taxa de IRC e eli­minar a so­bre­taxa ex­tra­or­di­nária de IRS que agrava as con­di­ções de vida mi­lhões de por­tu­gueses este Go­verno, numa clara opção de classe, pre­feriu be­ne­fi­ciar as em­presas, no­me­a­da­mente as grandes em­presas que são aquelas que, num pe­ríodo de crise como é o atual, apre­sentam mais lu­cros e estão su­jeitos a im­postos e que, com a re­dução da taxa de IRC, verão os seus lu­cros au­mentar ainda mais à custa de perda de re­ceitas do Es­tado que, para com­pensar, con­fisca ren­di­mentos das fa­mí­lias.

E isso fica claro se se tiver pre­sente os se­guintes dados di­vul­gados pelo INE. Se­gundo o INE, em 2012 (úl­timos dados di­vul­gados), o nú­mero de em­presas não fi­nan­ceiras era de 1 062 782 e os seus re­sul­tados lí­quidos foram de três mil 338,5 mi­lhões de euros. No en­tanto, os re­sul­tados lí­quidos das grandes em­presas (apenas 1015) atin­giram, no mesmo ano, 3861,8 mi­lhões de euros, o que sig­ni­fica que cen­tenas de mi­lhares de micro, pe­quenas e mé­dias em­presas ti­veram re­sul­tados ne­ga­tivos, não tendo qual­quer be­ne­fício com a baixa de taxa de IRC. Serão as grandes em­presas, com lu­cros ele­vados, que têm de pagar IRC que, com a baixa da taxa, verão au­mentar ainda mais os seus lu­cros. Um ex.: a EDP. Os lu­cros lí­quidos da EDP só no 1.º se­mestre de 2014 foram de 502 mi­lhões de euros. Com uma taxa de IRC de 25% pa­garia 125,5 mi­lhões de euros; com uma taxa de 21% já paga apenas 105,4 mi­lhões de euros, ou seja, menos 20,1 mi­lhões de euros. No ano serão mais 40,2 mi­lhões de euros de au­mento de lu­cros de­vido à re­dução da taxa de IRC (e isto só de­vido à re­dução da taxa, pois a re­forma do IRC deu também ou­tros enormes be­ne­fí­cios à grandes em­presas), cuja re­ceita per­dida é com­pen­sada com a ma­nu­tenção da taxa ex­tra­or­di­nária de IRS sobre as fa­mí­lias. Eis a moral deste Go­verno e do CDS/​Portas o «par­tido dos con­tri­buintes».